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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Acidente Vascular Cerebral (AVC) e a Terapia Ocupacional

           
        É a doença que as pessoas costumam denominar “derrame”, ou “isquemia”, ou ainda “trombose cerebral”. O AVC é a maior causa de morte no Brasil e a principal causa de lesão permanente (seqüela, incapacidade) em adultos. 
         No meio médico, o termo consagrado pelo uso é o de Acidente Vascular Cerebral (AVC), que pode ser definido como um déficit neurológico (sinal e/ou sintoma) causado por interrupção do fluxo sangüíneo a uma determinada região encefálica. A palavra encéfalo corresponde a todas as estruturas neurais contidas no crânio (a parte intracraniana do sistema nervoso); portanto o termo conceitualmente mais correto seria Acidente Vascular Encefálico.          Mas como a tendência tem sido adotar o termo mais difundido e de mais fácil compreensão, o AVC é o objetivo de minha explanação. Até mesmo o termo “ataque cerebral” foi criado na tentativa de educar a população para o seu reconhecimento e manejo como uma verdadeira Urgência Médica.
        Existem dois tipos de acidente vascular cerebral, que são: 

   - AVC isquêmico: quando ocorre oclusão de um vaso sangüíneo (artéria) que irriga determinada região encefálica, privando essa região de nutrientes e oxigênio. A oclusão decorre da presença de coágulos que se desenvolvem dentro da própria artéria (trombose cerebral) ou em algum outro local anterior por onde o fluxo sangüíneo já passou, por exemplo, coração ou artérias carótidas ao nível do pescoço. O deslocamento do coágulo até ocluir uma artéria cerebral chama-se embolia cerebral;

    - AVC hemorrágico: quando ocorre ruptura de um vaso sangüíneo encefálico. A maioria dos pacientes com AVC apresentam fatores de risco e a melhor forma de prevenir  é identificar essas pessoas e controlar os fatores de risco possíveis. Alguns fatores associados potencializam o risco, por exemplo, o uso de anticoncepcionais e o fumo.
     Os fatores de risco podem ser modificáveis: hipertensão arterial, tabagismo, diabetes, doenças cardíacas, alterações na coagulação sangüínea, alterações do colesterol e frações, presença de sopro carotídeo (ruído anormal no pescoço percebido pelo exame médico).
     Outros fatores de risco que não são modificáveis: a idade (a ocorrência aumenta acima dos 55 anos), o sexo (homens têm maior risco mas as mulheres vivem mais além dos 65 anos), na raça negra, hereditariedade (pessoas da mesma família costumam ter fatores de risco em comum).
     Também existe um outro tipo de AVC que são os: Ataques isquêmicos transitórios (AIT), estes devem ser reconhecidos, pois pode haver prevenção de um AVC iminente; o AIT é um sinal de alerta, um “aviso”, pois é a ocorrência súbita de sinal (problema que o médico e outras pessoas podem constatar) ou sintoma neurológico (problema que apenas o paciente percebe) com duração de minutos a algumas horas. Estes significam a obstrução da circulação encefálica por um pequeno coágulo que se dissolve em seguida.
      O primeiro passo para permitir o tratamento ideal do AVC ou AIT é o reconhecimento dos sinais e sintomas mais comuns, que variam conforme a parte do sistema nervoso atingido e geralmente surgem de forma repentina, são eles: fraqueza ou dormência numa parte do corpo, dificuldade em falar, compreender, ler ou escrever, piora súbita na visão, dor de cabeça fora do comum e vômitos, visão dupla, desequilíbrio, vertigem e tontura, convulsão, desmaio ou sonolência, e rigidez na nuca.
    Pacientes que sofreram um AVC necessitam de cuidados especializados de diferentes profissionais da área da saúde. Os cuidados da terapia ocupacional têm por objetivo, engajar esses pacientes em atividades que são significativas e importantes para eles, com a finalidade de retorno à independência, à autonomia (capacidade de exercer escolhas e de tomar decisões, por si próprio) e na participação social. As áreas ocupacionais envolvem as atividades básicas da vida diária (de auto-cuidado) e instrumentais (de resolução de problemas complexos e cuidados com o outro), bem como o trabalho, o estudo, o brincar, o lazer e a participação social. Essas áreas podem variar de acordo com a idade da pessoa, o tipo de atividades que realiza, suas preferências, rotina, hábitos, dentre outros. Para o terapeuta ocupacional, interessa o desempenho do ser humano em suas funções e ações do cotidiano.

             Tratamento de reabilitação em terapia ocupacional

      O terapeuta ocupacional, através da análise de atividades do dia a dia das pessoas que sofreram um AVC, está apto a identificar, avaliar e treinar o paciente, para retornar à vida independente, dentro das possibilidades para cada caso, e utilizando métodos e técnicas da área da saúde e específicas da terapia ocupacional.
     Por meio dessa análise de atividades, o terapeuta ocupacional, em conjunto com o paciente (quando possível), família e cuidador, avalia, planeja, realiza a intervenção, reavalia para medir/verificar os resultados e pode redirecionar o tratamento para novos objetivos, dando continuidade ao processo da terapia ocupacional. Podemos destacar aqui algumas fases da intervenção em terapia ocupacional, que são:

Fase hospitalar

    Durante a internação, um paciente com AVC poderá ser assistido por um Terapeuta Ocupacional, desde que haja prescrição médica e liberação para esse tipo de serviço. Nessa fase, ainda no leito, o profissional poderá atuar no posicionamento correto do braço (membro superior comprometido) e perna (membro inferior comprometido) fazendo uso de travesseiros, rolinhos, métodos de posicionamento correto do ombro afetado e, quando indicado, posicionando a mão afetada com um equipamento feito com material especial, confeccionado na medida da mão do paciente, que se chama órtese. Na fase hospitalar o objetivo é posicionar corretamente a mão do paciente, contribuindo assim para evitar edemas (inchaço), deformidades (padrões anormais da mão) e, também, serve como importante estímulo ao reconhecimento do lado afetado. O tipo de órtese e sua confecção podem ser feitos por um Terapeuta Ocupacional.
    Ainda no hospital, o Terapeuta Ocupacional pode orientar a família e o cuidador de como posicionar os objetos e móveis de casa, assim como estimular o  paciente precocemente. 
     Cabe salientar que os pacientes podem apresentar outras alterações, às quais têm relação com as áreas cerebrais lesionadas, como: alterações perceptuais (dificuldade de entender determinado estímulo como, por exemplo, a luz verde de um semáforo, seu processamento, isto é, o significado da cor verde, dentro do contexto de sinalização de semáforo e emissão de respostas, ou seja, entender que quando a luz está verde, pode seguir); dificuldades de comunicação como as afasias (para compreender comandos e para expressar-se); disartrias (dificuldade de articular as palavras corretamente); dificuldades de planejamento ou de execução das ações – as apraxias; o não reconhecimento do espaço ou do corpo do lado afetado – a negligência; dentre outras alterações, que implicam na avaliação e intervenção por diversos profissionais da equipe de reabilitação.
      Inicialmente, quanto aos aspectos físicos do corpo, o braço poderá apresentar-se flácido, ou seja, mole e sem movimentos, e com a evolução neurológica tornar-se espástico (mais tenso, rígido). Parte das técnicas para melhorar e auxiliar na recuperação do paciente envolve uma adequação do tônus muscular (estado de tensão superficial do músculo, que conseguimos sentir somente palpando o braço com as mãos) e poderá ser feita com movimentos leves e suaves, realizados pelo terapeuta ocupacional precocemente, ou com o uso de outras técnicas específicas utilizadas para o tratamento de alterações neurológicas.
    Problemas como subluxações de ombro (afastamento do osso de sua cavidade ou superfície articular) devem ser identificadas para tratamento precoce. Entretanto, essas técnicas têm por objetivo final o ganho de funções no braço, para que o paciente consiga utilizá-lo novamente em suas ocupações. 
      É comum, na fase hospitalar, a ansiedade da família. É preciso compreender que, muitas vezes, o paciente pode estar apenas confuso e não responder como é desejado. Isso pode acontecer em função de muitos fatores, tais como, o efeito de medicações, pela alteração de sua rotina e pela própria lesão. Portanto, pode-se esperar que cada paciente responda a seu tempo. Reduzir o número de visitas pode auxiliar nos primeiros momentos. Perguntar uma coisa de cada vez, e aguardar a resposta, também é fundamental.
      O terapeuta ocupacional tem papel essencial na estimulação sensório-motora e cognitiva/intelectual-perceptual. Essas estimulações ocorrem através do desempenho ocupacional, quando possível. Outras formas de estimulação envolvem o uso de jogos de memória, cartas, dominó, desde que faça parte do contexto do paciente. É importante não utilizar jogos infantis ou frases que possam ridicularizar o paciente.
     O ambiente hospitalar também pode ser um potente meio para estimulação. Exemplos interessantes envolvem orientar o paciente com estímulos de objetos pessoais, que fazem parte de seu contexto, como um relógio de uso pessoal colocado no lado afetado, relógio de parede (de preferência do próprio paciente); o uso de calendários e músicas de sua preferência; a realização de leituras e o hábito de informar o paciente sobre assuntos atuais, desde que façam parte do contexto de vida anterior do paciente. Logo, é preciso respeitar o estilo de vida de cada um. 
      Para os casos em que a capacidade de andar ficou prejudicada, ainda em fase hospitalar, pode ser pensada a prescrição de uma cadeira de rodas, para auxiliar durante a fase de reabilitação, no retorno ao lar e para atividades que exijam um longo deslocamento. Utilizar uma cadeira de rodas não significa, necessariamente, que esses pacientes não poderão andar novamente, mas que esse poderá ser um recurso facilitador durante o processo de reabilitação global, permitindo ao paciente ir às terapias. Um terapeuta ocupacional, eventualmente, avaliará a postura sentada na cadeira e indicará, se for preciso, sua adequação com adaptações, para que o paciente assuma a melhor postura sentada e realize suas atividades com conforto.
      A ansiedade pela recuperação imediata pode ocasionar o desejo de estimulações todos os dias e a toda hora; entretanto, deve-se dosar os estímulos, uma vez que o paciente pode necessitar de um tempo maior para assimilá-los de forma adequada. Convém ressaltar que, para qualquer estimulação, é preciso selecionar cuidadosamente os estímulos, graduá-los de acordo com a condição do paciente. Estímulos em excesso, para um paciente confuso, podem não ter um bom efeito em sua reabilitação.
    Um terapeuta ocupacional poderá orientar familiares e cuidadores sobre um programa de estimulação específico para cada paciente.
Reabilitação em domicílio, ambulatório ou centro especializado

    Esta fase abrange os cuidados relacionados ao treino funcional, para retorno às atividades da vida diária e demais áreas ocupacionais de desempenho que o paciente deseja e precisa.     Para tanto, um dos focos, a fim de que o paciente consiga a independência, é a reabilitação do braço (membro superior). São empregadas técnicas de terapia da mão em que podem ser feitos exercícios de habilidade manual, que abrange o alcançar os objetos (de diferentes tamanhos, formas, peso, textura e cores), pegá-los, mantê-los nas mãos (realizar diferentes modalidades de preensão fina, ou seja, a pinça com o polegar), manipulá-los e soltá-los em diferentes posturas (deitado de lado, sentado, de pé) e em diferentes direções (acima, abaixo ao lado, à frente, atrás), com uma ou duas mãos, ou de forma alternada, com os olhos fechados ou abertos, fazendo repetidas vezes, dentre outros. Esse tipo de tratamento tem por propósito restaurar as funções do braço ao máximo possível, para que paciente consiga utilizá-lo novamente em suas atividades diárias como abotoar a camisa, amarrar o sapato, digitar no teclado do computador (funções manuais).
    Se o paciente encontra dificuldades, mesmo modificando a forma de realização da atividade, então poderá ser indicado o uso de equipamentos assistivos (dispositivos) que facilitam o desempenho. Esses dispositivos podem ser confeccionados pelo Terapeuta Ocupacional,
      A reabilitação do paciente pós-AVC é sempre um desafio, um exemplo claro disso está no relato de caso de uma paciente que foi atendida seis dias após a lesão, por meio de visitas domiciliares, três vezes por semana. A avaliação realizada mostrou que o lado direito do corpo estava comprometido, com dificuldades para fazer atividades cotidianas, tais como, tomar banho, vestir-se, preparar os alimentos e lavar roupas. Os movimentos estavam lentos e a paciente relatava adormecimento em todo lado direito do corpo que a impediam de saber se estava segurando ou não, um objeto ou material. A paciente trabalhava numa casa de família, a qual permitiu que os atendimentos fossem realizados durante o horário de trabalho. No início, as atividades foram centradas na recuperação da sensibilidade. Foram dadas orientações para realização de tarefas cotidianas com uso de adaptações (uso de apoio para lavar panelas e vasilhas grandes), uso de sabonete envolto em esponja para não escorregar da mão, tábua de cortar frutas e legumes com prego de aço para fixá-los, também orientamos estimulação sensorial na atividade de banho. Foram planejadas atividades graduadas (como macramê) com uso de fios de grosso calibre (sisal de quatro cabos) para movimentação ampla envolvendo duas mãos e para que a paciente pudesse ter contato com diferentes texturas dos fios que foram se tornando cada vez mais finos, com objetivo de trabalhar a coordenação motora fina e velocidade de movimentos. Ao final de quatro meses a paciente conseguiu fazer todas as funções que desempenhava antes, sem dificuldades.

 

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